Moçambique/Albinos: Persistem Abusos Contra Albinos em Nampula

Por: Rosa Inguane, da AIM, em Nampula
O albinismo é um distúrbio genético que se caracteriza pela ausência total ou parcial da melanina (pigmento responsável pela coloração da pele, dos pelos e dos olhos). Pessoas com albinismo apresentam pele muito branca, olhos, cabelos, cílios e demais pelos do corpo extremamente claros.
Nampula registou dois casos de desaparecimento e assassinato de Albinos  este ano - O País - A verdade como notíciaNa província de Nampula, norte de Moçambique, por exemplo, pessoas com essa condição têm sido sujeitas a abusos que vão desde a discriminação, raptos, assassinatos, dificuldades de acesso ao emprego, só para citar alguns.
Conseguir dados e informações precisas tem sido uma tarefa gigantesca, porque as pessoas com albinismo e seus parentes, fecham-se na sua intimidade por temerem os seres humanos por conta de tudo quanto tem sofrido.
Histórica foi uma decisão judicial de 2016 em que indivíduos envolvidos no rapto, homicídio e profanação do cadáver de uma pessoa com albinismo, enfermeiro de profissão, foram condenados a 40 anos de cadeia.
Eis algumas histórias recentes, mas que a pedido dos próprios não os identificamos totalmente.
Ancha M. é uma jovem mãe, casada, de 29 anos, colocou no mundo, até agora, quatro crianças. A mais velha, Mariamo, de 13 e o mais novo Ismael de seis meses. Três dos seus filhos são albinos.
Sarita J. é mãe de dois e ambos são albinos. A condição genética dos seus filhos tornou-as amigas e todos os dias enfrentam o que a comunidade intolerante e ignorante diz terem sido “amaldiçoadas”.
Com serenidade, uma vezes apoiadas e, outras, nem por isso, seguem as suas vidas.
O Ismael, filho de Ancha, é um menino tranquilo, de pele rosada e macia, mas a mãe diz que nas últimas semanas esteve no hospital com frequência, porque, à criança, foi diagnosticada pneumonia.
Sulemane, filho de Sarita, irrequieto, brincalhão e “falador”, faz-se logo notar e distribui um cândido sorriso, desdentado, quando não está a contorcer-se para ser deixado no chão.
A mãe diz que ele é uma “carga bendita” de trabalhos, pois apesar de não gostar do colo, ainda não sabe sentar-se sozinho, mas vive cheio de energia e fome, principalmente, que a proclama em gritos que são audíveis por toda a casa.
Estas mães dizem que aguardam com ansiedade o crescimento dos filhos, pois enquanto pequenos precisam de vigilância e cuidados constantes.
Acreditam que até a natureza parece conspirar, porque o principal problema são os raios solares que danificam a pele especial dos albinos.
“Temos que cuidar para que não se exponham ao sol e também que os olhos deles estejam sempre protegidos”, conta Ancha M.
“Dizem-me coisas terríveis, mas não vou esconder o meu filho. As crianças são iguais apesar do que se dizer”, relata Sarita, triste, mas cheia de coragem. Contudo, não se conforma com tamanha insensibilidade humana.
O tratamento dispensado por muitos, na província de Nampula, a quem tem esse distúrbio genético ganha outra dimensão à medida que os relatos dos visados são conhecidos.
São assediados ao telefone, nas paragens dos autocarros e até nos hospitais.
A.D, como a iremos tratar, passou por uma situação que deixou marcas na sua vida, exactamente na sala de partos da maternidade de um determinado hospital.
“Estava prestes a dar à luz e, uma das enfermeiras, alto e em bom som, convidou as colegas para virem ver como uma albina se comporta durante o parto. Indignada, pedi para ir para outra sala, mas antes repreendi essa profissional”, explicou-se.
Foi chocante ouvir A.D. explicar como em anos recentes escapou a um rapto, em plena luz do dia, para depois a Polícia informar que não conseguiu reunir provas suficientes para prender os autores do tão ignóbil acto.
“Eles eram quatro, numa viatura e em plena luz do dia no centro da cidade de Nampula. O rapto foi gorado, graças a intervenção da minha família e outras pessoas que estavam por perto. Depois de algum tempo, a Polícia arquivou o caso, aparentemente por não ter conseguido encontrar os autores que inclusive abandonaram o carro na altura da fuga. Desde então sou descrente também das autoridades e, pergunto-me, terá sido porque sou albina?”
Certeza absoluta de estar a ser discriminado e não conseguir emprego por ser albino é o que conta W.T. apesar de ter qualificações.
“Tenho formação superior, falo e escrevo várias línguas, sou preocupado e interessado, comecei agora a formar a minha família, mas não consigo arranjar emprego, acho isso muito estranho”, disse.
A mesma estranheza manifesta T.S. que diz ter respondido a dezenas de ofertas de emprego, preenchendo os requisitos exigidos, mas quando se apresenta, escuta sempre uma desculpa esfarrapada e volta desolado para casa.
“Sei que no mercado do emprego há muita corrupção, mas o que acontece comigo é fora do normal”, sentencia.
La lucha para que los tanzanos dejen de asesinar y devorar personas albinasOutras histórias de rejeição, discriminação são narradas todos os dias por pessoas albinas, numa sociedade em que, dizem, são “caçadas” como se tivessem um tesouro escondido.
“A sociedade tem de aprender e saber que nós não temos nada de precioso além da nossa própria vida. Devem parar de perseguir-nos”, exclamam.
Observadores consideram que a falta de informação e divulgação da verdade sobre o fenómeno que provoca o albinismo está na base desta situação que pode ser minimizada com a colaboração da comunicação social.
As associações criadas na província de Nampula de apoio a pessoas com albinismo relatam episódios de extrema necessidade para cuidarem dos seus associados com necessidades especiais.
“Por exemplo, o protector solar para a nossa pele delicada é muito caro. Precisamos também de usar óculos de sol apropriados e, definitivamente, deixar de ser perseguidos e importunados por malfeitores”, pedem.
Estes são elementos aflorados a propósito da semana sobre “Consciencialização e Protecção das Pessoas com Albinismo e Parentes” que termina neste domingo (17), uma acção que visa aumentar a sensibilidade e solidariedade da sociedade para com os grupos sociais mais vulneráveis.
Ana Gondola, esposa do Secretário de Estado para Nampula, participou num seminário onde foram discutidos os mitos e crenças, e deixou uma mensagem de esperança.
“A prevenção é a chave de tudo quando se fala em albinismo. A pessoa com albinismo deve-se proteger do sol para evitar doenças da pele, mas pode realizar actividades como qualquer outra”, lembrou.
Ana Gondola recomendou para que não se tolere o abuso contra a pessoa com albinismo, denunciando os infractores.
(AIM)
RI/MZ/JSA